quinta-feira, 6 de maio de 2010

Desmentir Maria

Ele me pede uma fórmula para explicar a mulher. Eu tento.

Penso nas bruxas e nas musas, em Sapho, na maternidade e na subversiva ao olhar masculino, esse olhar que nos olha e nos cansa, cobra, entedia. Historicamente, a doméstica interditada à fala, à vida pública; cuidadora; resignada; limpadora de excrementos. Por aqui somos a primeira ou segunda geração de mulheres com direito à vida pública. Aprendendo a desejar um algo além.

Penso também na bela Vênus das Peles, que na verdade era idealizada, era de pedra. O amor romântico mata a mulher, nega sua imperfeição. O sonho de muitos é estancá-la, esculpi-la, matá-la num verso qualquer. Os radicais islâmicos são mais práticos: eles nos velam o corpo sede de sedes, mal-estar. 


Álvares de Azevedo, nosso romântico maldito, em 1852 escreveu uma peça: Macário. Veja esse trecho, me lembra Sacher Masoch e sua Wanda:

MACÁRIO
Quem era essa mulher?

SATAN
Era um anjo. Há cinco mil anos que ela tem o corpo da mulher e o anátema de uma virgindade eterna. Tem todas as sedes, todos os apetites lascivos, mas não pode amar. Todos aqueles em que ela toca se gelam. Repousou o seu seio, roçou suas faces em muitas virgens e prostitutas, em muitos velhos e crianças—bateu a todas as portas da criação, estendeu-se em todos os leitos e com ela o silêncio... Essa estátua ambulante é quem murcha as flores, quem desfolha o outono, quem amortalha as esperanças.

Essa mesma, a que não goza?

Discutíamos entre mulheres esses dias:

Por que algumas fãs berram com tanta força para seus ídolos pop-rock-stars?
Por que o clube das mulheres se tornou algo caricato, com mulheres enlouquecidas, famintas, estridentes, desvairadas?

Talvez a falta de costume em ver. Falta de experiência em ter/apreciar um objeto de prazer. Corpo feminino: sede de sedes, vontades, investidas, restrições, punições, percorrido desde muito cedo por preceitos religiosos, jurídicos e olhares tantos; seio da promessa prometida; corpo-lugar de formas - desloca-se dessa condição sofrida de objeto calado para uma posição outra. Privilégio da dúvida. Precisamos desmentir Maria.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tem (tinha?) um nightclub no nucleo bas-fond portoalegrense (cercanias da Av. Farrapos - "Farrapera", para os intimos) chamado "WANDA's", onde TODO o tipo de publico de TODAS classes sociais ia em busca de uma "aventura". Putaria LIGHT, no caso: o clima era de avacalhacao entre amigos e as turminhas assistiam a strip-teases alternados, de homens e mulheres, devidamente encarnando personagens como "o Bombeiro", "a Guerreira indigena", "o Gladiador" e a "Enfermeira"...(enfim).

INTERESSANTE - e fazendo um mix com a tua analise - os homens ficavam ali, olhando as mulheres (sem poder se aproximar durante o espetaculo, os guarda-costas nao deixavam...) pensando coisas do tipo "Ah, gostosa", e tal. Era MENOS do que "normal" ver uma mulher pelada. Era quase ENTEDIANTE dado o facil acesso de QUALQUER homem a isso. As mulheres, por sua vez, nao apenas PODIAM se aproximar e APALPAR geral os strippers na vez deles e promoviam uma especie de show patetico gritando e passeando maos histericas por coxas e peitos dos caras entre risos e algazarras.

REALMENTE, bizarro: a mulher AINDA nao tem direito a uma PUTARIA "seria". Os "Clubes de Mulheres" são cultos nao ao desejo sexual, mas ao ridiculo, onde a coisa sempre vai levada na flauta.

Quantas mulheres HOJE podem/poderiam conversar, mesmo com AMIGAS como se contratar um prostituto para uma noite de sexo fosse algo corriqueiro? Mesmo em 2010...no OCIDENTE...

Thiago disse...

gosto da reflexão, e esse estilo informal, solto, em se tratando de coisas sérias: como se vc tivesse oxigenando um ambiente bem fechado (metáfora de um poema acima).

sinto vontade de mesclar reflexão e literatura nos meus textos - preciso ler muito dostoievski.

abraço!