Sonhos: neles, notícias não-literais do desejo.
O desejo é um conceito difícil em psicanálise; difícil a apreensão teórica, difícil saber sobre ele e suas repercussões na vida já que ele não se confunde com a vontade, que tem nome. O desejo é inconsciente, escorrega, desliza para outros objetos e representações, e pode estar por trás inclusive dos nossos fracassos.
Aprendemos a desejar com o Outro, a partir da falta - esse a quem direcionamos silentes a pergunta: que queres de mim? Ou que faço para desejar-me? O Outro, segundo Lacan, é "aquele que perante nós, nos aceita ou nos rechaça."
A neurose é essa sujeição: a tentativa de ser o objeto total de desejo do Outro, ser aceito. É a criança - cuja identidade está depositada no olhar materno - que almeja ser o único interesse da mãe, completar sua falta. Por isso, é necessário reaprender a desejar (o que também significa aprender a saber de si, dispensando o saber alheio), a fim de romper com a trama de desígnios desse Outro a quem servimos, mas que já não existe. Esse Outro que é um fato da linguagem.
Sei pouco (e esse pouco, creiam, salva) sobre minha própria condição desejante, por isso certas leituras são um alento e também um desconcerto dado que me aproximam de alguma idéia do percurso do desejo.
Em tempos de Prato Feito imperativo de desejo (consumo), difícil é romper com a servidão imposta pela publicidade e outras mídias - get a rich or die tryin´, repetem - e responsabilizar-se pelo inédito que somos. Inventar, criar, arriscar e conseguir satisfação é trabalhoso em uma cultura de fórmula massificada.
Esse é um daqueles trechos especiais que gostaria de compartilhar com vocês, do livro O Tempo e o Cão - A Atualidade das Depressões, da psicanalista Maria Rita Kehl:
"No que toca à demissão subjetiva, o que varia de um sujeito para outro não é o maior ou menor 'conhecimento' do objeto do desejo, mas o compromisso - ou o descompromisso - com a condição desejante, através das escolhas de vida que representam o que mais importa e interessa a cada sujeito. A via do compromisso com o desejo é a única via não-alienada de produção de sentidos para a vida, ou seja, a única escolha que não serve a um suposto desígnio do Outro. O desejo, em Lacan, é a 'metonímia do nosso ser'. Na impossibilidade de reencontro com a totalidade do SER, para sempre perdido, as moções do desejo representam o ser a partir de pequenos fragmentos, de frações metonímicas, como as ruínas das grandes edificações desaparecidas permitem deduzir que um dia elas estiveram inteiras, ali. Ceder dessa dimensão equivale a desistir de ser."
O que entendo dessa leitura: um convite à felicidade, à satisfação, o cumprimento do desejo, que está em significações parciais. Um convite ao risco, à invenção, pois a totalidade foi perdida, é angustiante e pode ser bom, assim temos alguma razão (a falta) para levantar cada dia.
2 comentários:
Sabias palavras(!)
Apenas tenho ressalvas quanto ao que diz a epigrafe eis que por ser Junguiano ("sei...", tu deve estar pensando) penso em uma concepcao diferenciada para a funcionalidade dos nossos sonhos.
E a proposito: tambem estou numa semana meio "Salve, COHEN".
Oi Gabriel,
Fique a vontade para falar da "funcionalidade dos nossos sonhos" segundo Jung. Não postamos para converter alguém, afinal. Conheço pouco Jung, seria interessante ouvir sua abordagem.
Cohen, Lou Reed e Gainsbourg são meus aninhadores de plantão.
Obrigada pelo comment. :)
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