sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Verônica

Aconteceu em 2009. Ele estava preso há um ano por tráfico quando fui nomeada sua defensora. Sérgio havia vendido a quem havia pedido um pouco mais que 20 gramas da popular e tragada marijuana.

Sérgio era magro a ponto de ser indefeso, bonito, timidamente risonho e de afeto fácil. Nas consultas no parlatório limpo e estéril da Penitenciária, eu lia para ele os bilhetes de amor escritos por Verônica. Com os olhos plenos de lágrimas me implorava a liberdade. Para meu pesar, eu só trazia as más notícias vindas de Brasília.

Verônica passou a visitar-me semanalmente. As cartas - ela insistia - embora não pudessem ficar em posse do amado, deveriam ser lidas, relidas e mostradas - afinal, o capricho da caligrafia e das cores era um mimo possível. "Doutora, quando chegar nessa parte, fale um pouquinho mais alto." E eu obedecia as entonações recomendadas por Verônica.

Na última audiência, enquanto o assessor alimentava a impressora com os papéis oficiais, enquanto o juiz se ria discretamente com a bela promotora, Verônica - no alto de seu impulso floral de 17 anos - levantou-se e rapidamente beijou a testa frisada de Sérgio. Eles sorriram. Eu sorri.

O juiz advertiu-a duramente e expulsou-a da sala de audiência.

O poder não gosta do amor, já disse Warat.

O poder não gosta do amor, pude confirmar.

3 comentários:

Felipe disse...

O Amílton Bueno narrou num livro o espanto de um réu, na transcrição de uma audiência, porque a juíza sorriu. Seria também realmente espantoso se não ocorresse o que aí ocorreu. Foda.

Zé disse...

Belissimo e, triste, relato.

danielleblima disse...

bonito...