domingo, 19 de abril de 2009

Para Ela



Com a voz embargada, ela reivindica:

- Fui querida, tão agradável, sabe? Hidratante de melancia, vestido de florzinha, sorriso constante. Café coado.

Ela é de aquarela. Não é imponente e densa como aquelas a óleo. Sua paleta é de rosas, lilases, amarelos, todos frescos. Sempre pronta para o olhar do outro. Mas a aquarela flui indolente, deixando suas falhas. Transparências que ela se apressava em recobrir, encobrir com seu sorriso doce ou seus aromas cosmético-frutais. E tantas demãos assim, os artistas sabem, os simbolistas me entendem: arruina. Seu olhar, está apavorado pelas rejeições somadas - que uma a uma reinauguram o pavor da querida com suas manchas falhadas.

É preciso estar distraída. Se amor é sorte (Rita Lee), a preparação para essa aleatoriedade caprichosa é a auto-emancipação. É preciso desistir de ter o moço como espelho. Toma-te para ti. Crava as unhas em ti mesma e te reaveja. Seja tua antes de oferecer uma porção de ti a outrem. Será sublime. Mas se, e só se aprenderes a amar cada mácula que te compõe.
Imagem: Summer Interior de Edward Hopper. Óleo em tela.

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